sexta-feira, 3 de maio de 2024

O HOMEM E SEU PASSADO

João Batista Jr., PIAUÍ

DERRITE JÁ FOI INVESTIGADO POR DEZESSEIS HOMICÍDIOS

Levantamento exclusivo da piauí revela o total de mortes ocorridas em operações das quais participou o hoje secretário de Segurança Paulista

O ex-policial militar Guilherme Derrite, atual secretário de Segurança Pública de São Paulo, já deu entrevista criticando colegas de farda que mataram menos de três pessoas em cinco anos de serviço. “É vergonhoso”, disse. Depois, arrependeu-se da crítica, mas nunca revelou quantas pessoas ele próprio matou. A edição de maio da revista piauí consultou sua certidão criminal, apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral quando concorreu a deputado federal, pegou o número dos seis inquéritos e pediu os desarquivamentos. Com isso, descobriu-se que Derrite tomou parte de intervenções que somaram dez homicídios, num período de apenas três anos e nove meses.

Há um sétimo inquérito – que não consta da certidão criminal entregue ao TSE – sobre uma operação policial que terminou, apenas ela, com seis mortos, além de três policiais militares presos por tortura e assassinato. Com ele, o total de mortes sobe para dezesseis. A reportagem de João Batista Jr. explica que o número não significa que Derrite tenha matado dezesseis pessoas, pois os inquéritos nem sempre apontam o autor do disparo fatal. Mas mostra que Derrite participou de ações policiais que resultaram nesse saldo de mortes. O atual secretário de Segurança Pública foi investigado em todos esses sete inquéritos, mas nunca foi denunciado. 

A operação que resultou em seis mortos, no entanto, motivou a saída de Derrite da Rota, a tropa de elite da Polícia Militar de São Paulo. Seus superiores entenderam que sua letalidade era alta demais. O próprio Derrite, em entrevista a um canal de YouTube em 2021, falou sobre sua saída da Rota. “Porque eu matei muito ladrão. A real é essa, simples. Pá!”

A mesma reportagem conta que Wallace Oliveira Faria, condenado a 102 anos de prisão, sentença que cumpre no presídio de Tremembé, no interior paulista, deu dois depoimentos à Defensoria Pública do Estado de São Paulo, entre junho e agosto de 2019. Nos depoimentos, Faria confessou que fazia parte de um grupo de extermínio de Osasco, na Região Metropolitana de São Paulo, cujas operações eram do conhecimento de Derrite. “Tudo o que a gente ia fazer avisava o Derrite. Ele tinha comando total”, disse. 

O grupo de extermínio, batizado como Eu Sou a Morte, era integrado por policiais de dois batalhões da PM em Osasco – o 42º e 14º, de acordo com a denúncia de Faria. Derrite era membro do 14º Batalhão, de onde saiu para integrar a Rota. Os depoimentos de Faria trazem detalhes e circunstâncias, mas, como careciam de provas materiais, não foram adiante. Consultado pela revista sobre a denúncia, Derrite mandou uma nota em que “lamenta que as acusações infundadas, colocadas a partir da denúncia de um criminoso que cumpre pena neste momento, tenham espaço”.

Os assinantes da piauí podem ler a íntegra da reportagem neste link.

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INCERTEZAS DA CRISE BRASILEIRA

José de Souza Martins*, Valor Econômico

Um sinal preocupante de nossa ruína é a persistência de um Brasil bipolar, que estreita nossas alternativas sem abrir-nos a possibilidade de superação democrática de nossas limitações

O que nos espera lá adiante na história social e política? Tudo indica que, em comparação com o que fomos e com as certezas que já tivemos do que poderíamos ser, nosso lá adiante será a confirmação de uma opção preferencial pelo atraso. Uma opção acidental, por ação e omissão, aos trancos e barrancos de uma história política sem a nervura própria de partidos doutrinários. Em que mais teve voz a incompetência e o oportunismo do que a consciência política propriamente dita.

Essa anomalia chegou ao auge no governo de 2019 a 2022, em que o Brasil foi capturado por um êmulo do Chacrinha, que iniciava seus programas de TV com a advertência: “Vim para confundir”, por meio do desmonte do nosso modesto patrimônio de conquistas democráticas.

Alguns episódios dramáticos de nossa história revelam todo seu sentido nesta atualidade de incertezas. Quando começou nossa decadência? Quando começou o fim de nossa confiança em nós mesmos? Um sinal preocupante de nossa ruína é a persistência de um Brasil bipolar, que estreita nossas alternativas sem abrir-nos a possibilidade de superação democrática de nossas limitações.

Em nenhum lugar do mundo o caminho da história é aberto no rumo do passado. Para ser apenas o que já fomos não é necessário andar para trás. Basta ficar onde já estamos bloqueados desde 1964. O nacional-desenvolvimentismo industrialista, do desenvolvimento econômico com desenvolvimento social, foi revogado pelo crescimento econômico com desenvolvimento social meramente residual. Surgiu a categoria ideológica de “exclusão social”, na verdade inclusão social perversa.

No lugar da urbanização crescente, a urbanização patológica das grandes cidades. No lugar da educação desenvolvimentista, a educação superficial e insuficiente da mão de obra de durabilidade limitada e descartável. É isso que dá entregar um país ao mando do neoliberalismo econômico de periferia.

A direita não tem motivos para se preocupar. Para ela, o poder é o sistema de benefícios subjetivos, próprio da desfiguração do que é propriamente o poder político. A reunião do governo Bolsonaro de 22 de abril de 2020 foi deplorável confissão de pouco caso pelo poder, pelo país e pelo povo brasileiro. Mesmo o dos cúmplices e subalternos do mando, civis e militares. Eles sabem que precisam uns dos outros, dos iguais. Aquilo foi o indício desavergonhado da transformação da nossa decadência em espetáculo.

Mas a esquerda não tem motivos para não se preocupar. Sua missão histórica de levar adiante a construção social e política hoje do Brasil de amanhã vem sendo comprometida por sua fragmentação. E por suas vacilações em relação tanto a urgências sociais e políticas de governo quanto a prioridades sociais, econômicas, educacionais.

Sobretudo sua dificuldade para definir uma coalização política de centro-esquerda que revigore a social-democracia como aliada e dê aos diferentes grupos de esquerda um protagonismo real na política social e na democracia. Que oponha a consciência do presente como história à indigência de concepções que oscilam entre a porta do botequim e o gazofilácio de igreja fundamentalista. Nesse movimento, o protagonismo dos verdadeiros cristãos precisa reencontrar a igreja dos profetas e da comunidade, o da expulsão dos vendilhões do templo.

O processo político não substitui nem precede as outras dimensões do processo social: a cultura, a educação, a ciência, a própria economia. A criatividade minguou. O país vacila numa espécie de indiferença de povo que renunciou ao seu destino.

Hoje, “patriota” é basicamente quem está no rol dos que foram capturados na insurgência de 8 de janeiro de 2023 e estão sendo processados como delinquentes políticos e condenados a longas penas. Inconscientes e alienados, acham que estão cumprindo uma missão de Deus, pois tudo sugere que muitos acreditam que foram chamados por ele a um serviço pela pátria.

A esquerda se fragiliza porque capturada pela armadilha do contraponto com a extrema direita militarizada cuja identidade se apoia num imaginário manipulado. Uma direita que, negação da democracia, não demonstra competência como mediação de superação de impasses políticos da sociedade brasileira.

Em boa parte porque a esquerda se fragmentou no que poderia ter sido diversificação das orientações políticas como expressões da diversidade social de uma sociedade que se desagregava e continua se desagregando. Uma esquerda representativa da pluralidade social e ideológica, mas com dificuldades para desenvolver uma consciência de referência de uma coalização possível de oposição ao totalitarismo e de crítica social do autoritarismo de um capitalismo da menos-valia e do prejuízo.

*José de Souza Martins é sociólogo. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Professor da Cátedra Simón Bolivar, da Universidade de Cambridge, e fellow de Trinity Hall (1993-94). Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. É autor de, entre outros livros, “Capitalismo e escravidão na sociedade pós-escravista” (Editora Unesp, São Paulo, 2023).

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A PUNIÇÃO QUE COMPENSA

Bernardo Mello Franco, O Globo

Grita de adversários ajuda Boulos a divulgar apoio de Lula em SP

Presidente cometeu infração eleitoral à luz do dia; punição branda é incentivo a burlar lei

Lula usou o Dia do Trabalho para alavancar a candidatura de Guilherme Boulos em São Paulo. “Vou fazer um apelo: cada pessoa que votou no Lula em 1989, em 1994, em 1998, em 2002 (...) tem que votar no Boulos para prefeito”, discursou, no palanque das centrais sindicais.

A legislação eleitoral afirma que só é permitido fazer campanha após 15 de agosto. Ao pedir votos para o aliado, o presidente cometeu uma infração à luz do dia. Não é possível absolvê-lo por inexperiência.

Lula poderia encher um álbum com as multas que já recebeu da Justiça por campanha antecipada. Ora para si mesmo, ora para aliados, como Dilma Rousseff e Fernando Haddad. Nada indica que a coleção vá parar por aqui.

A reincidência não o faz muito diferente dos adversários. De Jair Bolsonaro a José Serra, quase todos já foram punidos pelo mesmo motivo. São beneficiados por uma legislação inócua, que serve como incentivo a quem quiser descumpri-la.

As multas por campanha antecipada variam entre R$ 5 mil e R$ 25 mil. Uma ninharia diante dos valores milionários que movimentam as campanhas. Além disso, não se conhece um único político que tenha coçado o próprio bolso. O dinheiro sai do comitê ou do partido, ambos abastecidos com verba pública.

Há um componente de hipocrisia na lei. No mundo real, as campanhas começam muito antes da data marcada. Os pré-candidatos visitam comunidades, beijam criancinhas, sobem em palanques e criticam os rivais. Só não podem pedir voto de forma explícita — como se isso fosse necessário.

As falhas da legislação não eximem ninguém de respeitá-la. Ao dizer o que disse, o presidente deu mau exemplo e contratou mais uma punição. O que não significa que Boulos vá sair no prejuízo.

Empatado com Ricardo Nunes nas pesquisas, o deputado do PSOL aposta na força do padrinho. Acredita que vai crescer quando mais eleitores souberem que ele é apoiado por Lula. A grita do prefeito, que se disse “perplexo” com o pedido de voto, só o ajuda a divulgar a aliança.

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MUNICÍPIOS NO CENTRO DO DEBATE

Fernando Abrucio, Valor Econômico

O pleito de outubro deveria ser centrado na discussão da melhoria das condições locais de vida da população

As eleições municipais constituem um momento especial da democracia brasileira porque os governos locais tornaram-se, a partir de 1988, fundamentais para a vida dos cidadãos. As principais políticas de saúde, educação, assistência social e transporte público passam pelos prefeitos e vereadores, bem como as decisões sobre a organização das cidades onde moramos. O país teria, então, de se preparar para discutir exaustivamente essas temáticas até outubro. Só que uma parcela da classe política tem escolhido caminhos que dificultam um debate sólido sobre que tipo de municípios queremos ter depois de 2024.

É possível elencar quatro aspectos que dificultam colocar os municípios e seus desafios no centro do debate das eleições de outubro. O primeiro deles é o crescimento do peso da lógica parlamentar emendista sobre a vida política local. Houve aqui não somente uma elevação das emendas cujo gasto é impositivo, hoje numa faixa próxima dos R$ 50 bilhões. Também ocorreu uma transformação na forma como podem ser transferidos os recursos, especialmente por meio das chamadas “emendas Pix”, que caem direto no caixa das prefeituras.

Aparentemente, tudo isso é muito bom, porque mais recursos chegam aos governos locais. Porém, esse processo é feito de um modo que cria uma dependência dos municípios em relação aos senadores e, principalmente, deputados federais. Muitas das mudanças feitas nos últimos 30 anos no federalismo brasileiro foram na direção do aumento da autonomia municipal, e o emendismo vigente é um retrocesso neste processo. Claro que parlamentares federais (e estaduais, também cada vez mais emendistas) são eleitos tanto quanto os prefeitos e vereadores. Contudo, deveria ser dado um poder maior a quem apresenta um plano de governo para o conjunto da cidade e ganha a legitimidade popular para executá-lo para o conjunto do eleitorado local.

As emendas parlamentares deveriam dialogar com a articulação federativa das políticas públicas e com maiores prioridades dos governos locais, se possível com metas de médio e longo prazo. Óbvio que sempre é bom ter complementos federais para carências locais, como na área de saúde, particularmente depois do enfraquecimento do orçamento municipal gerado pela desastrosa ação do presidente Bolsonaro sobre o ICMS - um verdadeiro furto federativo. Não obstante, o novo emendismo tem muito dinheiro e poderia ser mais bem utilizado caso fosse acoplado a um projeto municipal mais amplo, discutido nas eleições locais de 2024, com renovação do debate em 2026. Do contrário, vai predominar uma fragmentação clientelista que, ao fim e ao cabo, enfraquece a autonomia municipal e a capacidade de os cidadãos definirem a forma como suas cidades devem ser governadas.

Em resumo, deveria se usar mais os gigantescos recursos federais do orçamento das emendas para fortalecer as capacidades estatais locais e para planejar uma visão de longo prazo, norteada por metas, para os governos locais. Ademais, os cidadãos precisam participar mais desse processo de distribuição de verbas federais aos municípios, e isso não pode ser feito por fora das eleições municipais.

Um segundo aspecto que reduz a discussão essencialmente municipal das eleições de outubro é a estratégia de realçar a polarização nacional. Evidente que a sociedade está mais polarizada, como mostra o trabalho de Felipe Nunes e Thomas Traumann (“Biografia do abismo”, HarperCollins). Igualmente verdadeiro é o fato de que os dois polos mais importantes do sistema político, o lulismo-PT e o bolsonarismo-PL, querem mostrar forças agora para partirem de um patamar mais alto para o pleito presidencial e congressual de 2026, e por isso tentam nacionalizar agora as disputas locais.

O problema maior disso é o seguinte: quando as lideranças políticas tentam polarizar artificialmente uma eleição cujo centro deveria ser a discussão da melhoria das condições locais de vida da população, a democracia perde. O pleito de outubro deveria ser para definir como organizar melhor a estrutura urbana em termos de moradia e emprego, como preparar as municipalidades para os desafios da mudança climática, ou ainda de que maneira aperfeiçoar os sistemas de educação e saúde municipais, de preferência em parceria com outros governos locais e/ou com o governo estadual e o federal.

Não nego a legitimidade democrática de os candidatos apontarem seus opositores como bolsonaristas ou petistas e tentarem mostrar o lado negativo desses polos. Mas, francamente, transformar a disputa eleitoral local numa reprodução da polaridade nacional é reduzir a capacidade de os cidadãos conseguirem opinar sobre como os prefeitos, efetivamente, podem governar melhor.

A polarização realça, sobretudo, o embate no reino dos valores. Escolhas normativas são centrais numa sociedade, de modo que pode ser importante saber de que lado estará cada candidato a prefeito em relação à democracia e à condenação dos que tentaram recentemente dar um golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023. Entretanto, o debate político local não pode se circunscrever a esse tópico. Para além da polarização (e não aquém), tem muita coisa bem mais relevante para definir sobre o caminho que vereadores e prefeitos deverão adotar nos próximos anos.

Um último comentário sobre a tentativa de impor uma polarização forçada nas eleições municipais. Se o mote que alimenta mais o jogo polarizador, tal como inventado por Steve Bannon, o “Rasputin” da extrema direita, é a guerra cultural, os “partidos do sistema”, como o são aqueles que de centro-direita e centro-esquerda que governaram o país por quase três décadas, têm pouco a ganhar com esse modelo. Lideranças políticas desse grupo dependem muito mais de políticas públicas e seus resultados para terem sucesso. Muito mais ainda num pleito municipal. Embarcando numa discussão dominada pelo viés polarizador, o debate eleitoral municipal favorece a lógica antissistema e não a discussão sobre o desempenho de instituições, como as prefeituras e câmaras de vereadores.

Há um terceiro aspecto que também atrapalha uma discussão eleitoral mais centrada nos problemas locais mais relevantes. Parte das lideranças municipalistas tem atuado para conseguir um pouco mais de recursos aos municípios sem pensar numa transformação mais profunda da governança local. A discussão da desoneração previdenciária de parcela das municipalidades é um típico caso desse modelo. Além de ter ampliado essa possibilidade para um número muito grande de municipalidades sem levar em conta a enorme desigualdade territorial do país, essa legislação é apenas um esparadrapo que não atua sobre o grande passivo previdenciário dos governos locais.

Se for para ajudar estruturalmente os municípios brasileiros, inclusive conforme a sua desigualdade de situações, as associações municipalistas deveriam fazer um acordo com a União para realizar uma ampla reforma da previdência pública dos governos locais. Isso provavelmente exigirá algum fundo federal, mas terá de ser acompanhado por mudanças legais que tornem sustentável o modelo atuarial do funcionalismo público municipal.

Talvez isso gere alguma tensão no presente, mas, se bem debatido nas eleições de outubro, os cidadãos têm grande possibilidade de escolher um futuro melhor para seus filhos e netos, em vez de serem enganados de tempos em tempos por benesses que duram apenas alguns anos sem resolver efetivamente o problema. Esse exemplo poderia ser seguido em outros temas nos quais os governos estaduais e o federal atuam em parceria com as municipalidades, distribuindo recursos com um propósito mais profundo: construir capacidades estatais locais que possam ser usadas para equacionar as grandes questões de cada cidade do país.

Para terminar a lista de obstáculos que dificultam um bom debate na eleição municipal, é preciso combater a onda demagógica que assola o país, baseada na apresentação de soluções fáceis para problemas complexos. A pauta recente da segurança pública no Congresso Nacional é o exemplo mais perfeito desse modelo, resultado do fortalecimento da lógica antissistema, capitaneado pelos líderes da extrema direita, mas também seguido por vários políticos de centro-direita. Se o pleito de outubro for comandado por esse paradigma, a governança local piorará depois de 2024. Como antídoto, será preciso melhorar a qualidade das discussões e propostas, orientadas por diagnósticos que lidem com problemas reais e profundos das cidades brasileiras.

Fazer uma eleição municipal baseada num debate mais qualificado pode influenciar positivamente a campanha de 2026. Afinal, o processo de participação e escolha dos cidadãos envolve um possível aprendizado com o jogo democrático. Mas isso só vai acontecer se dermos o devido valor e substância à agenda local, tocando nos temas mais espinhosos, como a desigualdade territorial, a agenda climática que cabe às cidades, a mobilidade urbana e a melhoria dos serviços públicos. Isso exige uma discussão sem demagogias e ilusionismos, com líderes políticos que apostem na reflexão e autonomia dos cidadãos como citadinos.

*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas.

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CINCO ANOS DE SAUDADE

Há exato cinco anos falecia em Fortaleza (CE), o ex-vereador de Sobral, José Inácio.

DNA político - Zé Inácio é neto do ex-prefeito de Sobral, Jerónimo Prado (fundador da Universidade Vale do Acaraú - UVA), filho do ex-prefeito, José Parente Prado (duas vezes prefeito de Sobral e três vezes deputado estadual) que faleceu em 26 maio de 1999 e irmão de Ricardo Prado (ex-deputado estadual) e Marco Prado, o Chocolate (ex-vereador de Sobral).

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quinta-feira, 2 de maio de 2024

"MULHERÃO: AI, SE EU TE PEGO"

Thiago Bomfim, UOL, em São Paulo

Pastor da Igreja da Lagoinha de BH diz que beijou boca de filha: 'Mulherão'

O pastor Lucinho Barreto, da Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte (MG), afirmou em um culto que beijou a boca da própria filha quando ela era menor de idade.

O que aconteceu

"Nossa que mulherão, ai se eu te pego", teria dito pastor à filha. Durante culto com público exclusivamente masculino, Lucinho Barreto disse que já beijou a boca de sua filha, quando ela era criança.

"Quando eu encontrar seu namorado, eu vou falar assim: você é o segundo, eu já beijei". A fala do pastor foi recepcionada com risadas e aplausos pela plateia.

Filha de pastor diz que retiraram fala de contexto. Ela diz que "seu pai nunca fez nada com ela", que "sempre foi um exemplo de uma figura paterna maravilhosa" e que considera perfis que viram pedofilia nos casos como "maldosos".

O UOL tentou contato com o pastor Lucinho Barreto, mas não teve retorno. Este espaço segue aberto para manifestações.

Assista à fala do pastor e ao pronunciamento da filha

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BOLSONARISTA, GOVERNADOR DE SC RECORRE A DEPUTADOS DO PT

Luisa Marzullo, O Globo — Rio de Janeiro

Bolsonarista, governador de SC recorre a deputados do PT para tentar conter greve

Secretários de Jorginho Mello (PL) estiveram com professores nesta terça-feira; governo nega ter pedido ajuda e diz que parlamentares participaram do encontro apenas porque estavam na manifestação

 O governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), recorreu a deputados do PT para o ajudarem a mediar a greve com professores no estado, mas após o encontro vir à tona, negou temendo desgaste em sua base. Nesta terça-feira, o governador que é apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) esteve com os parlamentares em uma rodada de conversa com sindicalistas que se manifestavam em frente à sede do Executivo. A informação foi inicialmente divulgada pela NSC e obtida, em seguida, pelo GLOBO.

Ontem, os secretários recém-nomeados Vânio Boing (Administração) e Marcelo Mendes (Casa Civil) estiveram com dois parlamentares do PT e quatro líderes sindicais por cerca de uma hora e meia. Após a negociação, o governo não emitiu qualquer comunicado sobre o encontro que ocorreu de portas fechadas, e negou uma possível intermediação dos deputados da oposição.

Segundo a assessoria de Jorginho Mello, os dois parlamentares apenas sentaram à mesa porque estavam no protesto. Em nota, o governo afirmou que se colocou à disposição das negociações, mas informou que ainda não houve avanços. (Leia a nota completa no final da matéria)

Do outro lado, deputados garantem que foram chamados pelo governo para organizar o encontro. A gestão teria solicitado que apenas quatro pessoas do movimento entrassem no centro administrativo.

A greve com os professores teve início em 23 de abril, que estão insatisfeitos com a aplicação de um desconto de 14% nas aposentadorias, a ausência de um plano de carreira e pleiteiam um novo concurso público.

Segundo a presidente da Comissão de Educação, Luciane Carminatti (PT), nenhuma proposta foi apresentada durante a negociação.

—O governo está intransigente. Quer acabar com a greve, mas não apresenta nada de concreto.

O que diz o governo de SC

Sobre a greve de uma pequena parte dos professores catarinenses, diante dos fatos abaixo expostos:

* Com base nos portais de transparência de cada Estado, Santa Catarina paga a maior média salarial da região Sul aos profissionais da Educação, superior em cerca de 15% à paranaense e aproximadamente 50% maior que a gaúcha.

* O governo está aumentando em mais de 100% o vale-alimentação.

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quarta-feira, 1 de maio de 2024

A CULTURA DO CANCELAMENTO EMBRUTECE A NOSSA SOCIEDADE

Wilson Gomes, Folha de S. Paulo

Pelo olhar patrulheiro, Ludmilla, incentivou e difundiu racismo religioso

Quando acusada de um delito na antiguidade clássica, a pessoa tinha o direito de compor e fazer um discurso de autodefesa que seria apresentado diante de uma assembleia e perante seus acusadores.

Esse discurso, a apologia, era reconhecido como o exercício do sagrado direito de se defender diante de acusações públicas. Os gregos, que deram origem à prática, davam grande valor à honra e à integridade do indivíduo, não abriam mão das normas que garantiam o direito de autodefesa e davam ao acusado a oportunidade de se valer de todos os meios de persuasão.

No período medieval, a combinação entre religião e política mudou o sentido da apologia, que já não dava ao orador uma oportunidade de absolvição. A maioria dos acusados já havia sido condenada antes de sua defesa, de forma que a apologia era basicamente uma chance de aceitar o próprio destino, acolher a morte, mostrar por que se merecia ao menos o perdão de Deus. A persuasão por argumentos não tinha qualquer papel nesse processo, pois de nada valem a razão contra crença e a lógica contra o dogma.

Mudanças sociais importantes nas sociedades modernas e contemporâneas mudaram de forma radical o papel da defesa diante de acusações públicas. A democracia trouxe de volta a ideia de deliberação pública e o direito de ser ouvido e considerado, o pensamento liberal moldou a ideia de uma sociedade de direitos e o devido processo legal. A apologia já não precisa ser um discurso de sobrevivência, como na Antiguidade, ou de desespero, como na Idade Média, mas principalmente uma defesa da própria imagem e reputação diante da opinião pública.

Hoje, com a cultura do cancelamento, a impressão que se tem é a de uma brutal regressão às formas religiosas, dogmáticas e irracionais que haviam sido abandonadas com o advento da democracia e do Estado de Direito. Quando alguém é acusado publicamente, a sentença já está lavrada. A diferença legal entre acusado e culpado desapareceu, o devido processo é inaceitável.

Se estudantes de uma universidade acusam um professor de assédio moral, como aconteceu na UFBA na semana passada, ele é automaticamente um assediador e deve ser tratado como tal, arcando com todas as consequências da sua condição: impedido de dar aula, insultado, quando não imediatamente afastado e demitido. Não importa se a acusação tiver sido objeto de um processo administrativo que não lhe deu provimento. Em um mundo de direitos, uma acusação pode ser falsa, precipitada, sem fundamento, maliciosa ou desproporcional. Na cultura do cancelamento, não há hipótese de os acusadores estarem errados.

Em um videoclipe de Ludmilla que é quase um manifesto de correção política, havia um plano, com duração de uma fração de segundo, em que se via uma pichação típica das disputas no mercado religioso das periferias. "Só Jesus expulsa o Tranca Rua das pessoas", dizia. O plano anterior mostrava um cartaz de defesa do feminismo e denúncia do feminicídio. Mas o olhar patrulheiro conseguiu detectar e isolar apenas este plano, que lhe pareceu justificar a pesada acusação de que o clipe, logo Ludmilla, "incentivou", "reforçou" e "difundiu" racismo religioso e "instigou" a violência contra templos de religiões de matrizes africanas.

Em um universo de direitos, toda acusação pode ser desafiada a apresentar provas e argumentos e deve ser testada em sua solidez com base em razões e fatos. Na cultura do cancelamento, bastam as convicções dogmatizadas pelo grupo.

Ludmilla se tornou responsável pela violência a que estão sujeitas as religiões de matrizes africanas no Brasil, não importa o resto do vídeo, o manifesto que está na sua abertura, quem é a cantora ou qualquer discurso de autodefesa que ela apresente. Como na apologia medieval, nenhuma explicação será considerada, a sentença já foi expedida, a única coisa que lhe caberia é implorar perdão, apagar o vídeo e prometer não pecar mais.

Ludmilla não pode negar ter errado, alegar outra intenção, reivindicar outra interpretação, declarar que foi sem querer ou mostrar por sua história que é uma boa pessoa. Só a mortificação é aceitável: pequei e me arrependo, mereço todas as punições, nunca mais faço de novo.

Ai de quem se recusar a aceitar que todo acusado é culpado; pobre do incauto que repudiar a bruta covardia dos coletivos de linchadores e justiceiros. Quem está contra a sagrada fúria da multidão que ataca o assediador e a racista, o que mais poderia ser além de cúmplice das injustiças do mundo?

A cultura do cancelamento nos embruteceu como sociedade.

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1º DE MAIO REFORÇA LUTA POR DEMOCRACIA E DIREITOS

Centrais Sindicais, Folha de S. Paulo

Urge uma política de desenvolvimento produtivo, com ênfase industrializante

Os sindicatos estão no nascedouro da democracia moderna e na implementação das regras e instituições do Estado democrático de Direito em muitos países nestes dois séculos. As democracias têm sido duramente atacadas pela ultradireita, pelo fascismo e pelo neoliberalismo, que promovem a difusão do ódio e do individualismo exacerbado. A classe trabalhadora sofre com a destruição dos direitos e das proteções trabalhistas, sociais e previdenciárias. Vivemos essa tragédia no Brasil e sabemos o que significa o aumento da pobreza, do trabalho análogo ao escravo, do arrocho salarial.

Não há democracia sem sindicatos, e a luta sindical é parte essencial da vida democrática. O sindicalismo forma o maior movimento democrático do mundo, presente desde o local de trabalho, nas negociações coletivas, na participação institucional e na vida pública e política dos países.

Na Pauta da Classe Trabalhadora das Centrais Sindicais defendemos a democracia com mais de 60 diretrizes propositivas sobre os destinos do país, a partir da visão do mundo do trabalho e das mudanças que recuperem perdas. Saudamos os resultados já alcançados pela política de valorização do salário mínimo e o fortalecimento e a ampliação do Bolsa Família, que tiveram impactos decisivos na redução da pobreza e no crescimento da renda dos mais pobres, conforme divulgou recentemente o IBGE. Pauta negociada, acordo firmado, resultado alcançado.

Consideramos essencial a articulação e coordenação de uma política de desenvolvimento produtivo, com forte ênfase industrializante, orientada pela sustentabilidade socioambiental, com a geração de empregos decentes, qualidade nos postos de trabalho e crescimento dos salários.

Por isso, todos os anos, os sindicatos celebram cerca de 50 mil acordos e convenções coletivas em nosso país. Comemoramos os resultados divulgados pelo Dieese: 86% dos contratos coletivos celebrados neste ano contam com aumento salarial e muitas outras conquistas. São esses sindicatos, dinâmicos e presentes na vida da classe trabalhadora, que queremos fortes e atualizados para responder aos novos desafios do mundo do trabalho e fortalecer a nossa economia com massa salarial e consumo.

A lei de igualdade salarial entre mulheres e homens nos locais de trabalho é outra resposta à nossa pauta. Aproveitamos para convocar empresas e representações patronais para negociações coletivas locais, regionais e nacionais visando implementar essa igualdade.

Novas doenças ocupacionais, precarização, vulnerabilidade, rotatividade, altas jornadas de trabalho e demissões são, entre outros, desafios sindicais permanentes. O crescimento econômico e o incremento da produtividade devem favorecer a pauta sindical de enfrentamento desses problemas, de crescimento dos salários e de redução da jornada de trabalho.

Apesar da nossa luta, quase metade da classe trabalhadora não conta com direitos trabalhistas, previdenciários, sociais e sindicais. Vamos reverter essa situação. Por isso mesmo, priorizamos construir, na mesa de negociação tripartite, o acordo histórico que garante ao motorista autônomo as proteções previdenciária e trabalhista, trabalho decente, piso de remuneração, direito e acesso à informação, capacidade de organização sindical e direito de representação e de contratação coletiva, agora em debate no Congresso por meio do PLC 12/2024. Vamos lutar para aprovar esse acordo no Parlamento, porque é exemplo histórico de que todos, independentemente da forma de relação de trabalho, devem ter direitos e proteções.

Neste 1º de Maio, reafirmamos nosso projeto de fortalecimento da negociação coletiva em todos os níveis e âmbitos, inclusive no setor público, para responder com segurança e criatividade às profundas mudanças que ocorrem no mundo do trabalho. Propomos criar um Conselho de Promoção da Negociação Coletiva e um sistema autônomo para cada parte gerir seu sistema sindical.

Consideramos urgente tratar das políticas para os aposentados, da correção da tabela do Imposto de Renda, da valorização do serviço público e da reorganização do sistema público de emprego, trabalho e renda. Há muito por lutar e conquistar. Viva o 1º de Maio, por democracia e direitos!

*Sérgio Nobre
CUT

Miguel Torres
Força Sindical

Ricardo Patah
UGT

Adilson Araújo
CTB

Moacyr Roberto Tesch Auersvald
NCST

Antonio Neto
CSB

Nilza Pereira
Intersindical Central da Classe Trabalhadora

José Gozze
Pública Central do Servidor

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PSDB, O INCRÍVEL PARTIDO QUE ENCOLHEU

Hélio Schwartsman, Folha de S. Paulo       

Tucanos perderam prefeitos e vereadores; falta de contornos ideológicos pode ser uma razão

Em 2020, o PSDB elegeu 523 prefeitos em todo o país; hoje tem 310, uma queda de 41%. Em termos de vereança, a situação dos tucanos é só um pouco melhor. Antes da última janela que permite a legisladores eleitos pelo sistema proporcional trocar de legenda sem sofrer penalidade, o PSDB somava 55 vereadores nas 26 capitais de estados; hoje são 39, queda de 16%. Detalhe vexatório, os tucanos perderam todos os representantes que tinham na Câmara paulistana.

Mesmo considerando que no plano municipal é frequentemente a política local e não a nacional que dá as cartas, não há como deixar de notar a decadência do PSDB. É especialmente notável o contraste com o pleito de 2016, quando os tucanos, beneficiados pelas denúncias de corrupção contra o PT e pela recessão de Dilma, conquistaram 807 prefeituras, incluindo a de São Paulo, em que João Doria venceu o então prefeito Fernando Haddad já no primeiro turno.

ocaso do PSDB ainda precisa ser mais bem estudado por cientistas políticos. Minha hipótese é que os tucanos, embora mantivessem uma fortaleza inexpugnável no estado de São Paulo, eram principalmente uma agremiação federal, que disputava com o PT a hegemonia em eleições presidenciais. E pleitos majoritários juntam os eleitores que de fato acreditam no partido ou no candidato com aqueles que o escolhem por julgá-lo o mal menor.

O PSDB, ao contrário do PT, não tinha muita cara ideológica nem cultivou uma militância dedicada. Mostrava-se competitivo porque era o ônibus no qual embarcavam todos aqueles que não queriam ver o PT no comando. Funcionou bem até 2018, quando surgiu Jair Bolsonaro, um candidato antipetista que veio com um discurso extremista, mas capaz de mobilizar emoções políticas de uma forma que os tucanos nunca quiseram ou nunca conseguiram. Some-se a isso os muitos erros cometidos pelas lideranças do PSDB e o resultado foi o incrível encolhimento do partido.

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OS MAGISTRADOS EXAGERARAM

Elio Gaspari, O Globo

Primeiro, a boa notícia: o repórter Weslley Galzo revelou que quatro dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal revelam suas agendas. São eles: Cármen Lúcia, Edson Fachin, Cristiano Zanin e o presidente Luís Roberto Barroso.

Agora, a outra, do repórter Renato Machado: depois de três dias da semana passada em Londres, num indecifrável 1º Fórum Jurídico Brasil de Ideias, os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, acompanhados pelo procurador-geral Paulo Gonet, deverão chegar a Madri, onde se encontrarão com os colegas Luís Roberto Barroso e Nunes Marques para o Fórum Transformações — Revolução Digital e Democracia. Nos dois eventos estiveram também ministros do Superior Tribunal de Justiça.

Exageram os doutores. A cada vislumbre de feriadão, eles batem asas. Há algo de jeca na ideia de cinquentões e sexagenários passando 24 horas dentro de aviões e aeroportos para uma permanência de 72 horas num seminário. (Isso, admitindo que comparecem aos locais de trabalho nos outros dias.)

Esses voos já foram apelidados de “farofas”. De maneira geral, são organizadas por gestores de eventos, têm agendas irrelevantes e patrocinadores interessados. Às vezes são remuneradas e, numa delas, chegaram a pedir seguranças ao consulado do Brasil em Nova York.

Todos os ministros dos tribunais de Brasília sabem que floresceu em Pindorama uma indústria de palestras, que aninha também jornalistas. No tempo da Lava-Jato, planos de saúde mimavam procuradores oferecendo-lhes convites para palestras, e um deles chegou a pedir eventos em Salvador, num feriadão. Um conhecedor desse mercado revelava, há alguns anos, que o piso de seus convites ficava em R$ 30 mil para um compromisso que ia das 12h30 às 15h, com direito a almoço e transporte.

A revoada dos doutores foi do esquisito ao ridículo. Nove em cada dez desses eventos servem para nada. Ou, como explicou a patronesse da farofa de Londres, para “trabalhar a interlocução entre o setor público e o privado”. Em Londres? Madri? Nova York? A turma do setor público mora e trabalha em Brasília.

Todos os convidados garantem que suas viagens não oneram o Erário. Cabe-lhes uma variante da lição do economista italiano Vilfredo Pareto (1848-1923), recuperada pelo colega americano Milton Friedman (1912-2006): “Não existe almoço grátis”. Muito menos seminários no ultramar.

O ministro Gilmar Mendes não gosta de comparações com a Suprema Corte americana, mas, nela, o primeiro caso de renúncia forçada de um juiz foi a de Abe Fortas, em 1969. As encrencas de Fortas começaram quando ele aceitou US$ 15 mil de uma universidade em eventos patrocinados por dinheiro que não se sabia de onde vinha. Anos depois, foi apanhado em interlocuções impróprias. Fortas era advogado pessoal do presidente Lyndon Johnson e, se não fosse a obstrução dos republicanos, teria sido nomeado para presidir a Corte, cargo que nos Estados Unidos é vitalício.

Sugestão: quem quiser, vai aonde bem entender com o patrocínio de quem quer que seja, desde que, estando num governo ou na magistratura, divulgue o evento e a identidade física ou jurídica do benfeitor.

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Nas próximas quatro semanas o signatário será o único participante de um seminário sobre o exercício do ócio numa democracia digital.

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TARCÍSIO INCENTIVA MATANÇA POLICIAL PARA SE FIRMAR COMO HERDEIRO DE BOLSONARO

Bernardo Mello Franco, O Globo

Com estímulo do governador, mortes provocadas pela polícia de SP sobem 138%

Jair Bolsonaro levou seu cercadinho móvel para Ribeirão Preto. O ex-presidente aproveitou a maior feira agrícola do país para fazer campanha. Inelegível, encheu a bola de Tarcísio de Freitas, que sonha em concorrer ao Planalto em 2026.

“Se eu não voltar um dia, fiquem tranquilos. Plantamos sementes ao longo dos nossos quatro anos”, discursou o capitão. Atrás de um púlpito com a logomarca do governo paulista, ele descreveu Tarcísio como “uma pessoa fantástica”. “Quase que inigualável”, empolgou-se.

As sementes de Bolsonaro já germinaram. Produziram uma direita extremista, que perdeu o pudor de atacar as vacinas, investir contra a urna eletrônica e repetir slogans de origem fascista.

“Hoje ninguém tem vergonha de dizer Deus, pátria, família”, orgulhou-se Tarcísio na segunda-feira. Aplaudido pela claque do agro, ele provocou o MST e descreveu o padrinho como um estadista que “garantiu a segurança do campo”.

Na campanha de 2022, Tarcísio foi orientado a se vender como um político moderado. Eleito, deixou o disfarce para trás. Loteou o governo entre militares e entregou o comando das polícias para a bancada da bala. Seu secretário de Segurança ostenta um currículo notável. Conseguiu ser afastado da Rota por excesso de truculência.

Em março, o Conselho de Direitos Humanos da ONU recebeu denúncia formal contra as matanças da polícia paulista. Tarcísio respondeu no melhor estilo Bolsonaro: “O pessoal pode ir na ONU, na Liga da Justiça ou no raio que o parta, que eu não tô nem aí”.

Enquanto a dupla fazia comício, dados oficiais mostraram os efeitos dessa retórica. As mortes causadas pela polícia paulista dispararam no primeiro trimestre de 2024. O número saltou de 75 para 179 — um crescimento de 138% na comparação com o mesmo período do ano passado.

O ouvidor da PM, Cláudio Aparecido da Silva, classificou a estatística como “alarmante”. “É o momento de as autoridades e a própria sociedade refletirem se é mesmo essa polícia que a gente deseja”, alertou.

A semente foi lançada por Tarcísio, que aposta no bangue-bangue para se firmar como o capitão do capitão.

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terça-feira, 30 de abril de 2024

A POLÍTICA FISCAL ESTÁ SOB ATAQUE

Míriam Leitão, O Globo

Governo se depara no momento com cenário internacional pior e sucessivas propostas do Congresso para aumento de gastos

A credibilidade da política econômica está sob ataque. São medidas sucessivas que vão aos poucos corroendo a confiança de que o rumo traçado será seguido. Só para ficar nos últimos acontecimentos: o governo e o Congresso aprovaram a antecipação de um gasto de R$ 15 bilhões, a Fazenda aceitou fazer uma negociação do Perse, com esperança de mitigar os danos, só que agora o parlamento quer elevar o custo da renúncia fiscal. Dependurar prefeituras no projeto de desoneração aumentou o custo do benefício fiscal e, além disso, tirou a lógica da proposta que é estimular o emprego. A Fazenda deu sinais positivos para a renegociação da dívida dos estados, mas agora o Rio, que tem um histórico de mau comportamento fiscal, entrou no STF para suspender o pagamento. O Senado fez andar a PEC do quinquênio, que é uma barbaridade em todos os sentidos. A lista é grande, e os sinais vão se acumulando.

Não é conversa de mercado financeiro, mas a situação internacional piorou de fato. Em setembro do ano passado, integrantes da equipe econômica e do Banco Central que foram ao exterior voltaram com a seguinte informação: havia 85% de probabilidade de os juros americanos começarem a cair em março. Depois, aos poucos, os sinais do Fed foram mudando. Haveria cinco cortes nos juros americanos e agora a dúvida é se haverá algum este ano.

O cálculo é que haveria uma forte desinflação americana, que a China exportaria produtos que derrubariam os preços, e que a desaceleração americana levaria ao corte de juros. Agora, o crescimento previsto nos Estados Unidos é de 2,7%, o desemprego e a inflação contrariaram expectativas, e o Fed está sentado nos juros. A China tem enfrentado cada vez mais barreiras para as suas exportações. Os carros elétricos chineses estão sob investigação na Europa e o presidente Joe Biden já disse que os veículos chineses são ameaça. A questão é que o país asiático nunca saiu completamente da crise imobiliária, e as empresas do setor reconverteram seus investimentos para a indústria de carros elétricos na esperança de exportação.

E o que tem isso a ver com o Brasil? Estados Unidos, Japão e Europa representam 60% da dívida mundial. Quando eles mantêm juros mais altos do que normalmente praticavam (o Japão saiu do juro negativo), eles sugam a liquidez do mundo. Isso faz a questão fiscal voltar para o centro das atenções. Em qualquer país. Em relação ao Brasil, a preocupação começa a ficar maior.

O problema não foi mudar a meta de resultado primário para os próximos anos. Foi ruim o momento da mudança porque havia muitos ruídos internos e externos. Mas a alteração já estava prevista pelo mercado financeiro. A questão é que está passando a ideia de que mesmo a atual meta não é para valer, e os políticos entenderam como espaço para gastar.

Quando a conjuntura internacional está mais instável, os erros custam mais caro em termos de saída de dólares e de juros futuros, por exemplo. Isso realimenta o custo da dívida e pode bater na inflação. Os preços estão sob controle. Depois de atingir a meta no ano passado, o país está vendo a inflação descer devagar, ainda que a sensação de preços em alta tenha irritado o consumidor. Houve uma concentração de elevações no setor de alimentos no começo do ano. Ontem, por exemplo, saiu o IGP-M com uma subida de 0,31%, uma inversão de tendência, mas o acumulado no ano continua marcando deflação de 0,6%, e em 12 meses de -3,04%.

Só que a desaprovação da política anti-inflacionária foi entendida como sinal para intervenção em preço. De combustíveis, por exemplo. Ou como sinal de que é preciso encontrar medidas que compensem o mau humor do consumidor/ eleitor.

O ataque do Congresso através de propostas que aumentam o gasto presente ou futuro, a conjuntura internacional mais complicada, a pressa em agradar o eleitor podem ter efeito exatamente inverso. Se existe algo que ficou provado nesses 30 anos da moeda Real é que o brasileiro não tolera inflação. Expansionismo de gasto e intervencionismo levam sim a mais inflação.

A política econômica de Fernando Haddad anunciada desde o começo é buscar o equilíbrio das contas públicas, depois de dez anos de déficit, e de uma política fiscal populista no último ano do governo passado que deixou várias bombas para estourar. Não é fácil. Mas é mais difícil com tanta gente jogando contra.

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segunda-feira, 29 de abril de 2024

A FAVELA NA AGENDA GLOBAL !

Preto Zezé, O Globo

Conferências que seguem até setembro de 2024 têm como objetivo central colocar a favela no mapa do G20

Cada vez mais, milhões de pessoas se deslocam para os grandes centros urbanos, fazendo das cidades uma grande arena de disputas e desafios mundiais. Sem planejamento, esses milhões de pessoas se acotovelam para conseguir viver mais perto da infraestrutura dos centros, das áreas comerciais e dos territórios economicamente mais ativos e, numa corrida desenfreada, se amontoam gerando grandes exércitos de excluídos de possibilidades de existência digna e de meios básicos de sobrevivência, já que viver com qualidade é condição apenas para quem pode pagar para permanecer nessas áreas.

Os desafios têm várias camadas que recortam essa nova configuração e, nesse sentido, a adoção pelo IBGE da nomenclatura e definição de “favelas e comunidades urbanas” ajuda a desinvisibilizar as populações e territórios sobrantes do paraíso da inclusão.

Como efeito colateral, a população das favelas e comunidades urbanas já soma quase 20 milhões. Caso fosse um estado, seria o quarto mais populoso da Federação brasileira. Sua potência econômica, mesmo diante da ausência de serviços públicos de qualidade, chega a mais de R$ 200 bilhões em poder de consumo anual. É geração de riqueza.

O debate sobre território está vivo no planeta todo, já que pessoas cruzam desertos e oceanos para procurar uma possibilidade de vida em terras de Primeiro Mundo. Milhares de refugiados sofrem todos os dias vítimas da guerra e da fome. Há aqueles que se deslocam diariamente das áreas rurais para os grandes centros. Todos procuram se estabelecer num terreno tranquilo, onde tenham pão, paz e terra.

Diante do desafio de conectar globalmente as demandas dessas áreas invisibilizadas, a Central Única das Favelas (Cufa), a Frente Nacional Antirracista e a Frente Parlamentar das Favelas lançam hoje no Complexo da Penha/Alemão, no Rio de Janeiro, as Conferências Internacionais das Favelas (CIF20), com chancela do G20 Social e parceria da Unesco. Como não queremos substituir o poder público, mas ao mesmo tempo queremos o diálogo com todas as esferas, contamos com a parceria do governo do Estado do Rio, da Prefeitura do Rio e também da TV Globo e da Trace.

As CIF20 serão encontros que vão mapear e endereçar as demandas das favelas e periferias, no Brasil e noutros 40 países, até a cúpula do G20 em novembro. Um documento será entregue a todos os chefes de Estado presentes, para que as favelas pautem a cúpula, e não sejam apenas coadjuvantes desse processo decisório mundial.

As conferências serão divididas em fases ao longo dos meses de abril, maio, junho e julho e serão produzidas e realizadas pelas Cufas desses países. A primeira fase começa hoje no Brasil e, ao longo do mês de maio, acontecerá nos seguintes países: Luxemburgo, Suécia, Cazaquistão, Rússia, Uzbequistão, Bélgica, Reino Unido, República Centro-Africana, República Democrática do Congo e Moçambique. Essas conferências, que seguem até setembro de 2024, têm como objetivo central colocar a favela no mapa do G20, trazendo contribuições de todos os continentes, organizando questões sociais, políticas e econômicas específicas desses territórios para endereçá-las aos tomadores de decisão como parte da agenda do G20.

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DIAS PERFEITOS E O TRABALHO MODESTO

Artigo de Fernando Gabeira

Este artigo é um pequeno contrabando. Não costumo escrever sobre filmes, embora veja sempre um antes de dormir. Na maioria, são tão inexpressivos que me esqueço deles no dia seguinte.

Pensei em escrever sobre “Zona de interesse”, destacando a maneira como trata o nazismo. O turbilhão de notícias me fez esquecer. Agora é diferente. Desde quando li sobre o filme de Wim Wenders “Dias perfeitos”, supus que tinha algo a ver com minha experiência pessoal.

O filme conta a história de um lavador de privadas em Tóquio que vive momentos felizes em seu cotidiano. Já trabalhei em limpeza na Suécia e, apesar do trabalho repetitivo e da crônica dor do exílio, também vivi bons momentos. Essas reflexões valem para países como Suécia e Japão, onde há algum reconhecimento por esse tipo de trabalho e salários dignos.

Aproveitei uma dessas tardes maravilhosas de abril no Rio para ver a estreia de “Dias perfeitos”. Creio ter entendido um pouco o que Wim Wenders quis dizer com a história do faxineiro Hirayama(Koji Yakusho). Ele acorda todas as manhãs em sua pequena casa despojada e olha para o céu, reconhecido por estar vivo, num novo dia. Não tem móveis, apenas um tatame, onde dorme, e usa os cotovelos apoiados no chão para ler diante do abajur. Hirayama compra livros a US$ 1 e está lendo “Palmeiras selvagens”, de William Faulkner.

Depois de comprar o café na máquina da rua, entra no carro e segue ouvindo fita cassete. Lou Reed (“Perfect day”), Patti Smith fazem parte de sua coleção. Hirayama tem uma vida cultural interessante, e creio que isso é o complemento ideal para esse tipo de trabalho. Ele tem uma vantagem sobre os outros, jornalismo, política, medicina, detetives. Quando você deixa a vassoura, o balde, o pano, não precisa pensar mais nisso. Muitas profissões intelectuais invadem o cotidiano, perseguem a pessoa mesmo depois do expediente, sobretudo num tempo de redes sociais.

Hirayama é analógico. Quando recebe a sobrinha Niko, ela pergunta se a música que ouvem está no Spotify. Hirayama responde: onde fica essa loja? Ele leva uma pequena câmera no bolso, fotografa as árvores. A sobrinha mostra sua própria câmera, embutida no telefone celular. Ao lado da sobrinha, ele vive um momento que, creio eu, é uma chave da própria sabedoria oriental. Diante de um rio, param suas bicicletas, e Niko pergunta se não quer ver o rio desaguar no mar.

—Numa próxima vez — Hirayama responde.

Niko pergunta:

— Agora?

—Uma próxima vez, agora não é uma próxima vez.

Saem de bicicleta cantando alegremente, agora não é a próxima vez.

Essa imersão no presente é apenas uma das chaves. No lugar onde compra livros, a vendedora sempre diz uma frase interessante sobre o autor, quando ele faz sua escolha:

—Patricia Highsmith me ensinou a diferença entre medo e ansiedade.

Filha da irmã mais rica, a sobrinha de Hirayama pergunta por que ele não se dá bem com a mãe dela. Ele responde algo assim: “no mundo há muitos mundos, e às vezes não se conectam”.

Mais uma pequena indicação sobre o universo de Hirayama. Ao encontrar com um homem que lhe confessa estar com câncer terminal, Hirayama não comenta nada. Aliás, fala pouquíssimo. Diante da pergunta do homem —se as sombras superpostas ficam mais escuras —, Hirayama o chama para brincar de sombras superpostas e encontrar na prática a resposta. Nada sobre câncer ou morte, apenas uma pequena fração de vida e humor.

A experiência de combinar uma vida cultural com o trabalho modesto foi algo que me deu a sensação de realidade na história de “Dias perfeitos”. Ele ouve Patti Smith em “Redondo Beach”, eu a ouvia em “Because the night” e descansava lendo o New York Herald Tribune.

O final do filme de Wenders me devolveu para o fim de tarde de abril no Rio, não sem antes Hirayma se despedir ouvindo Nina Simone em “Feeling good”, uma canção que parece resumir suas manhãs:

— Pássaros voando alto, você sabe como me sinto/Sol no céu, você sabe como me sinto/Brisa soprando, você sabe como me sinto/É um novo amanhecer, um novo dia, uma nova vida para mim, yeah.

Artigo publicado no jornal O Globo em 29/04/2024

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domingo, 28 de abril de 2024

PORTUGAL DÁ LIÇÕES SOBRE DEMOCRACIA

Opinião Correio Braziliense

As ruas de todas as cidades do país foram tomadas por cidadãos para celebrar o 25 de Abril, quando a Revolução dos Cravos derrubou a mais longeva ditadura da Europa

Na última quinta-feira, os portugueses deram uma grande demonstração do quanto estão dispostos a manter a democracia que reconquistaram há 50 anos. As ruas de todas as cidades do país foram tomadas por cidadãos para celebrar o 25 de Abril, quando a Revolução dos Cravos derrubou a mais longeva ditadura da Europa. Foram 48 anos de um regime que perseguia, prendia e matava seus opositores, mantinha a maior parcela da sociedade na pobreza quase absoluta e protegia uns poucos privilegiados. Esses tempos cruéis continuam vivos na memória de muita gente, mas, nem por isso, Portugal está livre de retrocessos.

Nas eleições realizadas em março último, 1,1 milhão de portugueses votaram no partido de extrema-direita Chega, garantindo 50 assentos à legenda na Assembleia da República. Esse grupo de parlamentares, muito barulhento nas redes sociais, dissemina discursos de ódio, incentiva o racismo e a xenofobia e propaga a imagem de um país que não existiu sob a ditadura de António Salazar. Não se acanha em dizer, publicamente, que se orgulha do período colonialista e da escravidão. Ao longo de quase quatro séculos, Portugal traficou mais de 6 milhões de africanos. O domínio sobre países da África, como Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, só foi rompido nos anos de 1970, quando a ditadura salazarista foi derrubada.

Foi essa ameaça latente que levou tanta gente a deixar o conforto do lar para gritar contra o fascismo e os saudosistas da ditadura. Crianças, jovens, idosos, todos carregando um cravo no peito, se uniram para dizer, em alto e bom som, que a luta dos capitães, daqueles que foram mortos e dos desaparecidos que as famílias nunca puderam enterrar, não está perdida. Pelo contrário, se precisar, há um exército de cidadãos dispostos a enfrentar os movimentos antidemocráticos, que, com um discurso fácil, questionam as liberdades, a igualdade de gêneros e as conquistas das comunidades LGBTQIA e ainda pregam contra os imigrantes. Justamente em Portugal, cujo histórico foi de emigração, com homens e mulheres em busca de melhores condições de vida mundo afora.

As ruas de Portugal explicitaram que a luta em defesa da democracia é constante. Que não se deve nunca descuidar desse regime que é imperfeito, mas é o único que permite que todos, independentemente das condições sociais, da cor da pele, do nível cultural, tenham voz. O Brasil, por sinal, tem muito a aprender com os portugueses. Infelizmente, os brasileiros, em boa parte, estão perdendo a noção do quanto a democracia permitiu avanços importantes no país. É assustador constatar que um grupo de cidadãos ainda acredita que a ditadura é o melhor regime para se viver. E dizem isso às claras, carregando bandeiras e vestidos de verde e amarelo, misturando religião e alienação. Um perigo, como se viu no 8 de janeiro de 2023.

A Revolução dos Cravos se deu sem o derramamento de sangue. E foi com alegria, muita música e solidariedade que, 50 anos depois, os portugueses celebraram a data que consideram a mais importante da história milenar do país. Como disse a aposentada Idina Morais, 74 anos, todos, independentemente da idade, jamais podem permitir a volta da ditadura, daqueles tempos horríveis. Essas palavras devem ser ouvidas, sobretudo, pelos mais jovens, que, em número significativo, parecem desconhecer essa terrível parte da história. Foram eles os maiores apoiadores da ultradireita nas recentes eleições. E são eles que também dão suporte aos extremistas na Alemanha, na Itália, na França, na Hungria, no Brasil.

A democracia merece respeito. As imagens dos portugueses na Avenida da Liberdade, em Lisboa, nesta semana são um respiro e um alento nesses tempos sombrios em que o individualismo se sobrepõe ao coletivo, a desunião afasta a paz, o diferente se torna uma afronta, o desrespeito atropela a gentileza. Ainda há tempo de se mudar a rota. E que Portugal, com seus lindos cravos vermelhos, seja um libelo a favor das liberdades e um antídoto contra a intolerância.

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sábado, 27 de abril de 2024

OS PODERES DA ECONOMIA

Luiz Gonzaga Belluzzo*, CartaCapital

Será que os investidores estão em pânico, ou apenas no exercício da sua peculiar racionalidade?

A política econômica do governo Lula sofre implacáveis constrangimentos emanados dos poderes dos mercados financeiros. As lendas mercadistas não cessam de afirmar a natureza “técnica” das postulações dos operadores de mesa e de seus economistas.

A experiência histórica desmente os preconceitos que insuflam os sabichões mercadistas a desconsiderar as relações de poder envolvidas na assim chamada “Ciência Econômica”. No livro Power, publicado em 1938, o filósofo e matemático Bertrand Russel observou: “A economia como uma ciência separada é irrealista e enganosa se tomada como um guia na prática. É um elemento – um elemento muito importante, é verdade – num estudo mais amplo, a ciência do poder.”

No estouro da crise financeira de 2008, as maledicências sobre economistas, suas teorias, crenças e previsões corriam soltas, à velocidade da peste nos centros financeiros do mundo. Mas, passado o susto, os que fracassaram em suas antecipações já sobem o tom de suas arrogâncias e voltam a trovejar suas cambaleantes sabedorias.

A reputação dos economistas e o prestígio de sua arte de antecipar tendências variam na mesma direção dos ciclos do velho, resistente, mas talvez nem tão surpreendente capitalismo. Quando os negócios vão bem, as previsões mais otimistas são ultrapassadas por resultados formidáveis. É a festança dos consultores: o noticiário da mídia não consegue oferecer espaço suficiente para os profetas e oráculos da prosperidade eterna. Na era da informação a coisa é ainda pior: em tempo real, os meios eletrônicos regurgitam uma fauna variada de palpiteiros e adivinhões. Todos, ou ao menos a maioria, tratam de insuflar a bolha de otimismo.

Quando desabou a tormenta, as certezas dos analistas mais certeiros entraram em colapso. Em pleno estado de oclusão mental diante da derrocada dos preços dos ativos e da violenta contração do crédito, um gênio da finança global proclamava na televisão: “Os investidores são racionais, mas estão em pânico”. Imaginamos que antes da emboscada do ­subprime e de outros créditos alavancados, os investidores racionais estivessem apenas no exercício de sua peculiar racionalidade.

O filósofo Franco Bifo Berardi faz uma investida ainda mais dura contra as cidadelas do cientificismo econômico contemporâneo. “Os economistas não conseguem inferir nenhuma lei com base na observação da realidade, já que preferem, em vez disso, que a realidade se harmonize com as leis inventadas por eles. Como consequência, eles não conseguem prever absolutamente nada, como a experiência tem mostrado nos últimos três ou quatro anos. Por fim, os economistas não conseguem compreender o que está acontecendo quando há mudança de paradigma social: eles se recusam veementemente a redefinir suas estruturas conceituais.”

Diante da recente desvalorização do real, as vozes de sempre descarregaram as culpas sobre os ombros do “risco fiscal”, exibido como um pecado irremissível. Ignoram que países de moeda não conversível, como o Brasil, se dilaceram entre o objetivo de manter a inflação sob controle e o propósito de não danar o “arcabouço” de geração de renda e emprego.

Para compreender as insuficiências que machucam o paradigma dominante no debate econômico de nossos tempos, vou relembrar uma citação de Willem Buiter. Na aurora da crise financeira, Buiter, ex-membro do Comitê de Política Monetária do Banco da Inglaterra, hoje economista-chefe do ­Citigroup, apontou as armas da crítica na direção dos sistemas financeiros “intrinsecamente disfuncionais, ineficientes, injustos e regressivos, vulneráveis a episódios de colapso”, um exemplo de “capitalismo de compadres”, sem paralelo na história econômica do Ocidente. “É uma questão interessante, para a qual não tenho resposta… Não sei se os que presidiram e contribuíram para a criação e operação (desse sistema) eram ignorantes, cognitivamente e culturalmente capturados ou, talvez, capturados de forma mais direta e convencional pelos interesses financeiros.”

Imagino que Buiter poderia buscar resposta à sua instigante perplexidade ao consultar a A Psicologia das Massas, de Sigmund Freud. “A massa é extraordinariamente influenciável e crédula; é desprovida de crítica; para ela, o improvável não existe. Ela pensa por imagens que se evocam associativamente umas às outras, tal como ocorre ao indivíduo nos estados do livre fantasiar, e nenhuma instância razoável afere sua correspondência com a realidade. Os sentimentos da massa são sempre muito simples e bem exagerados. Assim, a massa não conhece nem a dúvida nem a incerteza. Ela vai logo ao extremo; a suspeita manifestada logo se transforma em certeza irrefutável, um germe de antipatia transforma-se em ódio selvagem.” 

*Publicado na edição n° 1308 de CartaCapital, em 01 de maio de 2024.

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COMO A CIÊNCIA DEVE LIDAR COM O POPULISMO

Pablo Ortellado, O Globo

Uma das consequências nefastas do antibolsonarismo é que ele distorceu o entendimento do público sobre a ciência

O populismo antissistêmico que a direita abraçou é um bicho com que é difícil lidar. É anti-institucional, anti-intelectual, agressivo e selvagem — em resumo, não sabe usar os talheres. Quando chegou ao poder com Bolsonaro e passou a comandar a burocracia do Estado, recebeu acertadamente oposição. Mas, em geral, essa oposição tomou a forma de uma negação automática: se Bolsonaro recomenda de maneira imprudente, a atitude responsável passou a ser afirmar enfaticamente o contrário.

Em nenhum momento o controle do Estado pelo populismo foi mais crítico que durante a pandemia. Bolsonaro coordenava o SUS, controlava o Ministério da Saúde, a Anvisa e a Fiocruz, um pesadelo. Na ânsia de se contrapor às teses selvagens e absurdas dele sobre o coronavírus e a pandemia, deixamos de analisar ideias próximas às dele ou que poderiam ser identificadas com ele. Isso nos levou a muitos erros na condução da pandemia —erros sobre os quais ainda não nos debruçamos.

Em artigo no Nexo Jornal, o médico e professor da UFRJ Olavo Amaral chamou a atenção para um estudo da Universidade de Oxford, recentemente publicado, que avalia a eficácia da ivermectina contra a Covid-19. O estudo descobriu que a substância não previne hospitalizações ou mortes, mas reduz o tempo que o paciente experimenta os sintomas, de 16 para 14 dias em média. A ivermectina ficou tão associada ao “negacionismo” trumpista e bolsonarista que os autores do estudo provavelmente acharam que não era responsável destacar esse resultado, enfatizando, em vez disso, a ineficácia para reduzir hospitalizações e mortes.

Não foi o primeiro estudo que mostrou a eficácia da ivermectina. Pelo menos quatro outros grandes estudos desde 2022 mostraram que a substância tinha efeito mensurável contra a Covid-19. No artigo, Amaral lembra que, em 2021, antes da publicação dos estudos, a imprensa repetiu centenas de vezes, com o endosso de cientistas, que a ivermectina era “comprovadamente ineficaz”. Mas, se naquele momento não havia estudo sólido recomendando a ivermectina, também não havia nenhum estudo sólido provando sua ineficácia.

Tudo começou com a irresponsabilidade do presidente. Bolsonaro não dispunha de evidências científicas para recomendar ivermectina (ou cloroquina). Só que, para se opor a essa irresponsabilidade, cometemos o erro oposto. Afirmamos, equivocadamente, também sem boas evidências, que a substância era “comprovadamente ineficaz”.

Não foi só com a ivermectina que erramos. Como Bolsonaro se opôs à quarentena para proteger a atividade econômica, a imprensa e os cientistas o contestaram, afirmando (corretamente) que a quarentena era a posição cientificamente respaldada. Mas não ficamos aí. A necessidade de nos contrapormos com vigor à posição irresponsável de Bolsonaro nos impediu de discutir com tranquilidade e comedimento em que medida deveríamos adotá-la.

O antibolsonarismo bloqueou no debate público a discussão sobre a flexibilização da quarentena nas escolas. Quem quer tenha defendido a volta às aulas das crianças durante a pandemia foi automaticamente ignorado, tachado de bolsonarista. Não apenas não pudemos discutir na ocasião, como segue um tabu político revisitar criticamente nossa política abrangente de aulas remotas durante a pandemia.

Uma das consequências mais nefastas desse antibolsonarismo é ter distorcido o entendimento do público sobre a ciência. A ciência é feita de suposições cuja validade dura apenas até ser superada por entendimentos mais abrangentes. Em momentos de crise, quando o poder público lhe pede orientação, o que ela pode fazer é indicar o que parece ser o melhor caminho. A maneira correta de apresentar essa escolha é lembrar ao público que o caminho sugerido é apenas a melhor recomendação à luz das evidências disponíveis. Se não fizermos essa ressalva, e o caminho sugerido se mostrar depois equivocado, a confiança na ciência sairá abalada.

Durante a pandemia, não tomamos esse cuidado. Para nos contrapormos à irresponsabilidade populista, transformamos essa recomendação “à luz das evidências disponíveis” em afirmação categórica que se dizia científica, mas na verdade era apenas dogmática. A ciência precisa se rever. Precisa estar aberta à contestação —e não pode se furtar a investigar uma hipótese apenas porque um populista irresponsável a defendeu. O antipopulismo por princípio não faz bem para a ciência e não faz bem para a política pública.

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